segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A acupuntura e o tratamento da psoríase

Está claro que muitas doenças consideradas complicadas, de difícil resolução, desacreditadas ou inexplicadas podem ter uma boa resposta com a acupuntura. Como exemplo, apresento aqui o resumo de um estudo de caso de minha paciente tratada por acupuntura, em linguagem acessível.

A paciente, sexo feminino, 69 anos, apresentou os primeiros sintomas de psoríase aos 49 anos, após a morte da mãe e da irmã em um curto período de tempo. Desde então, a doença foi gradativamente piorando, com algumas remissões dos sinais e sintomas, mas sempre esteve presente nos últimos 20 anos, período em que passou por diversos tratamentos sem sucesso, o que contribuiu para a insegurança e a descrença pela acupuntura. A psoríase é uma doença hiperproliferativa crônica da pele, de ordens genética e autoimune, cuja origem ainda não é completamente conhecida pela nossa ciência atual, mas os fatores desencadeantes são geralmente emocionais. Seus principais sinais e sintomas são muita coceira com descamação em várias regiões do corpo, chegando a provocar ferimentos.

Dentre todos os sinais e sintomas, os mais relevantes foram os seguintes. A paciente mostrou-se como uma pessoa triste, mas irritada; falava muito e relatou ter o sono agitado, acordando algumas vezes por noite. Foram detectadas alterações emocionais de longa data (frustração e ressentimento). Apresentava pele seca, olhos vermelhos e lacrimejantes.

O diagnóstico sindrômico segundo a Medicina Tradicional Chinesa foi, resumidamente: Calor no Sangue, estagnação do Qi do Fígado e deficiência de Yin do Rim.
Os princípios de tratamento foram, também resumidamente: esfriar o Sangue, tonificar o Yin, acalmar a Mente, harmonizar o Fígado, esfriar os níveis energéticos Yang Ming e Jue Yin.

A paciente foi submetida a mais de 35 sessões semanais de acupuntura. No entanto, após as 5 primeiras sessões, ela já havia relatado diminuição considerável na coceira e as lesões diminuíram visivelmente. Com o tempo, as lesões sumiram por completo e também foram observadas mudanças no comportamento e no humor. O tratamento foi interrompido a pedido da própria paciente e os resultados foram registrados em fotos, como se vê a seguir.



Por Fernando M. Pinheiro


segunda-feira, 18 de julho de 2011

Os efeitos da acupuntura



Imagine o mundo visto através de lentes coloridas, lentes azuis por exemplo. Seria necessário criar todo uma nova base de conhecimentos a fim de explicar os fenômenos observados através dessas lentes azuis. Mas isto não significaria que estas explicações fossem “erradas”; seriam somente “diferentes”. O mesmo acontece quando se tenta explicar a acupuntura. O máximo que se consegue fazer atualmente é explicar a acupuntura através de mecanismos fisiológicos de ação segundo a ciência ocidental. Não se pode dizer, por exemplo, se o Qi existe ou não, simplesmente pelo fato de que ele não pode ser medido.

Ainda não estão esclarecidos todos os mecanismos de ação da acupuntura segundo a ciência ocidental. Por enquanto, a ciência ocidental consegue explicar alguns “comos”, mas não consegue explicar os “porquês”. Isto criou a falsa noção de que a acupuntura pode ser explicada principalmente pelo “efeito placebo”. No entanto, uma nova visão deste tipo de pesquisa começa a sugerir que aquilo que conhecemos como “efeito placebo” não seria todo o efeito da acupuntura em si, mas parte do efeito esperado da acupuntura.
Basicamente, há dois tipos de explicações para a resposta terapêutica da acupuntura: a “resposta de cura local” e a “resposta trófica”.
A resposta de cura local pode ter uma ação pontual, onde a agulha causa na área da penetração morte celular em níveis mínimos que iniciam um processo inflamatório, aumentando o metabolismo e promovendo a regeneração celular. Ou pode ter uma ação distal, onde a penetração da agulha age sobre o neurônio H da dor referida, o que explicaria os pontos de Alarme usados na acupuntura (também conhecidos como pontos Mo, localizados distantes dos órgãos relacionados e que se tornam dolorosos quando num desequilíbrio destes).
A resposta trófica pode ser explicada por um sistema mais complexo denominado sistema PNIH, ou sistema psico-neuro-imuno-humoral, envolvendo os sistemas nervoso, imune e endócrino. As pesquisas em torno da acupuntura procuram explicar seus fenômenos exatamente através da resposta trófica. Estudos histológicos dos pontos de acupuntura conseguiram demonstrar que eles apresentavam uma concentração fibrilar de neurônios bem característica, uma rede de vasos capilares bem desenvolvida e uma concentração maior de substâncias mucopolissacarídeas, diferente de outras áreas do corpo que não continham pontos de acupuntura mapeados. Tais pontos também apresentaram diferença de impedância elétrica com relação a outras regiões da pele, o que quer dizer que estes pontos resistem de forma diferente à passagem de corrente elétrica. Isto tudo sugere que estas regiões realmente têm capacidade de serem estimuladas e de produzir no corpo respostas que podem ser medidas e percebidas, e que o ponto de acupuntura poderia ser considerado entidade anatômica, ainda que muito discreta.
Resultados de pesquisas básicas, mas bem conduzidas, já esclareceram muitos dos mecanismos de ação de acupuntura, incluindo alterações na função neuroendócrina e a liberação de opióides e outros peptídeos nos sistemas nervosos centra
l e periférico.

Em uma pesquisa com ressonância magnética funcional (também conhecida como PET ou tomografia por emissão de pósitrons), a acupuntura produz efeito na atividade cerebral em áreas previsíveis, relacionadas a pontos específicos. Por exemplo, pontos relacionados à visão estimulam áreas cerebrais visuais, enquanto pontos relacionados à audição estimulam áreas cerebrais auditivas. Já em uma outra pesquisa com PET, a estimulação por acupuntura em um ponto de acupuntura corretamente localizado levou à modulação das atividades corticais da área motora, o que não ocorreu na estimulação falsa. A dor tem circuitos muito complexos e que ainda não explicam completamente seu funcionamento, mas a ação da acupuntura sobre a dor é bem clara.
O estímulo por
acupuntura pode levar o cérebro a produzir o óxido nítrico no núcleo grácil, que desempenha um papel importante na regulação de dor e na homeostase cardiovascular. A analgesia através da acupuntura envolve a estimulação de nervos de pequeno diâmetro e limiar diferenciado que enviam mensagens à
medula espinhal, ativando neurônios do hipotálamo e no tronco cerebral e disparando, assim, mecanismos de substâncias opióides produzidas pelo nosso corpo. Essa resposta também inclui mudanças nos níveis de hormônios como endorfinas e encefalinas, medidos no plasma e no líquido cefalorraquidiano. O aumento de beta-endorfina também foi sugerido para explicar o efeito analgésico da acupuntura, embora isso não explique a ação da acupuntura em outras condições clínicas.
Mas as ações da acupuntura não se limitam à analgesia. As endorfinas citadas anteriormente podem interagir com citocinas, sendo que algumas destas citocinas modulam o componente inflamatório de doenças. Ou seja, dessa forma, o tratamento de algumas destas doenças poderia ser indiretamente explicado pela acupuntura. Outras ações antinflamatórias obtidas pela acupuntura típicas da resposta de cura local são a inibição da permeabilidade vascular, a limitação da aderência leucocitária ao endotélio vascular e a supressão da reação exsudativa. Todos estes efeitos antinflamatórios também poderiam ser obtidos através do uso de fármacos. Os circuitos neurais da dor referida, que incluem o já citado neurônio H, podem ser alguns dos responsáveis por uma complexa regulação das funções de órgãos e vísceras (os sistemas Zang-Fu, na medicina
tradicional chinesa). Estes mesmos circuitos neurais explicariam o raciocínio chinês que diz que os órgãos e vísceras não funcionam de forma isolada e independente, mas de forma integrada e interdependente, reforçando a visão holística de corpo humano. O princípio geral do holismo pode ser resumido por Aristóteles na frase "O inteiro é mais do que a simples soma de suas partes."

Como podemos observar pelas linguagens diferentes usadas pela
medicina tradicional chinesa e pela ciência ocidental, confrontar estas duas ciências de paradigmas completamente diferentes pode não ser uma ação muito feliz. No entanto, cruzar os seus conhecimentos pode ser muito frutífero e trazer benefícios para ambas.

Por Fernando M. Pinheiro

R
eferências:
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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

As agulhas de acupuntura

A acupuntura é uma técnica com cerca de 5.000 anos de idade e os detalhes sobre suas origens perderam-se no tempo. Nesta postagem, eu darei atenção à descrição das agulhas utilizadas desde os seus primórdios até a atualidade, deixando para explorar as explicações modernas do funcionamento da acupuntura numa outra oportunidade.

O desenvolvimento da teoria dos pontos de acupuntura ao longo a história é comprovado por vestígios arqueológicos da Idade da Pedra¹ datados de 10.000 a 5.000 anos chamados pedras Bian, que eram instrumentos pontiagudos de pedra com uma grande variedade de formatos, utilizados para estimular determinados pontos e regiões do corpo a fim de tratar dor e enfermidades.
Mais recentes que as pedras Bian, algumas agulhas eram feitas de lascas de osso cuidadosamente esculpidas e polidas, espinhas de peixe, espinhos vegetais, farpas de bambu e, mais recentemente, na Dinastia Shang (1766 a.C.-1122 a.C.), metal (bronze, ouro, prata e aço). As antigas agulhas metálicas, mesmo sendo um avanço técnico para a época, seriam grossas demais para os nossos critérios atuais. Cada acupunturista possuía seu próprio jogo de agulhas, sempre carregado consigo em uma bolsa ou estojo apropriados para o pronto atendimento. Pelo fato de os médicos chineses da época desconhecerem os perigos de infecções e contaminações, as agulhas eram reutilizadas em todos os pacientes. Há nove tipos de agulhas, descritos na literatura clássica:

A agulha Chan (nº 1), “agulha com ponta de flecha”, é destinada às picadas superficiais, reduz as tumefações da pele e doenças febris. Esta agulha também é usada numa técnica denominada“sangria”, onde se extrai algumas poucas gotas de sangue.

A agulha Yuan (nº 2), de ponta redonda, não é verdadeiramente uma agulha e é usada para a massagem dos músculos.

A agulha Di (nº 3), com extremidade curta e pontuda, é usada para tratar doenças febris e vasculares, deficiência de Qi e dores.

A agulha Feng (nº 4), de ponta triangular, é usada em casos de doenças crônicas. Neste caso, o paciente apresenta um quadro mais antigo, o que se pressupõe uma estimulação mais intensa do ponto através da ponta característica desta agulha.

A agulha Pi (nº 5), “agulha em forma de espada”, é usada para tratar abscessos com pus.

A agulha Yuan Li (nº 6), de extremidade redonda e pontuda, é usada para tratar artralgia e doenças reumáticas.

A agulha filiforme (nº 7) é a mais usada e elimina os fatores patogênicos e a variedade de doenças internas.

A agulha Chang (nº 8), agulha longa, é usada para tratar as artralgias mais profundas do corpo.

A agulha Huo (nº 9), “agulha de fogo”, é usada para tratar a artrite. Por ter um corpo muito comprido, o calor aplicado diretamente no cabo desta agulha propaga-se de forma gradual até o ponto, tonificando-o.

Abaixo, uma foto e um esquema dos nove tipos clássicos de agulhas, de um jogo de agulhas de um acupunturista, datadas da Dinastia Shang (1766 a.C.-1122 a.C.):

Os nove tipos clássicos de agulhas ainda são utilizados atualmente, principalmente na China. No entanto, a agulha filiforme é a agulha mais usada mundialmente, apresentando-se numa variedade tão grande de comprimentos e espessuras que parece originar novos tipos de agulhas. As dimensões da agulha filiforme vão ser definidas pelos objetivos e técnicas usadas no paciente. Como o próprio nome diz, a agulha filiforme assemelha-se a um fino fio de metal.

Com o advento das técnicas de assepsia, começaram a ser usadas as agulhas de aço, que eram reutilizadas através de esterilização em autoclave, sendo descartadas quando suas pontas tornavam-se rombudas demais para a inserção. Assim, cada paciente possuía seu próprio jogo de agulhas, mantidas estéreis dentro de um tubo de ensaio de posse do acupunturista. Com a evolução das técnicas de metalurgia, as agulhas começaram a se tornar muito baratas e uma melhor relação custo x benefício permitiu que fossem produzidas agulhas de uso único, tornando-se muito mais conveniente, seguro e vantajoso descartá-las. Atualmente, a legislação brasileira proíbe a reutilização de agulhas de acupuntura e prevê a forma correta de descarte, bem como as normas de segurança durante o seu manuseio.

Atualmente, as agulhas são produzidas em aço
esterilizado por gás etileno ou raios Gama e vêm em embalagens plásticas normalmente contendo dez unidades ou agulhas individuais, acompanhadas de um tubo aplicador (mandril), numa variedade muito grande de comprimentos e espessuras. As dimensões das agulhas filiformes variam de 0,12 mm a 0,30 mm de espessura e de 2,5 cm a 6 cm de comprimento. Dependendo da técnica e dos objetivos do tratamento, são utilizadas diferentes dimensões. No entanto, até mesmo a menos delgada das agulhas filiformes são finas demais à observação dos olhos humanos: algumas agulhas costumam ser cerca de três vezes mais espessas que um fio de cabelo humano. Na foto abaixo, pode-se ver 20 agulhas filiformes inseridas no orifício de uma agulha hipodérmica.
Costuma-se dizer que não sentimos nada durante a inserção de uma agulha de acupuntura, o que não é uma verdade absoluta e deve ser cuidadosamente discutido.
Em primeiro lugar, cada ponto de acupuntura possui uma sensação característica que pode ser experimentada durante a inserção da agulha ou até mesmo durante a pressão de um dedo. Tais sensações estão descritas de forma clássica em literatura, mas são muito subjetivas e variam em qualidade: queimação, frio, irradiação, “peso”, formigamento, choque, dor etc. Estas sensações são muito sutis, mas também variam em intensidade, o que vai depender do quadro sindrômico do paciente. Em segundo lugar, estamos falando de objetos sendo inseridos no corpo humano. Por mais apurada e indolor que possa ser a técnica de inserção, o paciente sempre sentirá a agulha dentro de seu corpo, não só durante a inserção como também durante a sua manipulação. Portanto, é antiético dizer para o paciente que a acupuntura é uma técnica indolor e/ou que “não se sente nada”.

No entanto, os benefícios que a acupuntura traz para o paciente compensam em muito o desconforto da inserção das agulhas. Ainda assim, no caso de pacientes que não toleram a
inserção de agulhas, há uma série de técnicas da Medicina Chinesa que substituem o uso de agulhas. Estas técnicas possuem efeitos mais lentos e menos intensos, mas são verdadeiramente indolores e serão abordadas posteriormente numa outra postagem.

1:
O intervalo de tempo que abrange a Idade da Pedra é muito discutido e variável segundo a região em questão. Por exemplo, escavações mostraram que enquanto em certos lugares como a Grã-Bretanha vivia-se na Idade da Pedra, em outros, como Roma, Egito e China, já se usavam os metais e conhecia-se a
escrita.

Por Fernando M. Pinheiro