segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

As agulhas de acupuntura

A acupuntura é uma técnica com cerca de 5.000 anos de idade e os detalhes sobre suas origens perderam-se no tempo. Nesta postagem, eu darei atenção à descrição das agulhas utilizadas desde os seus primórdios até a atualidade, deixando para explorar as explicações modernas do funcionamento da acupuntura numa outra oportunidade.

O desenvolvimento da teoria dos pontos de acupuntura ao longo a história é comprovado por vestígios arqueológicos da Idade da Pedra¹ datados de 10.000 a 5.000 anos chamados pedras Bian, que eram instrumentos pontiagudos de pedra com uma grande variedade de formatos, utilizados para estimular determinados pontos e regiões do corpo a fim de tratar dor e enfermidades.
Mais recentes que as pedras Bian, algumas agulhas eram feitas de lascas de osso cuidadosamente esculpidas e polidas, espinhas de peixe, espinhos vegetais, farpas de bambu e, mais recentemente, na Dinastia Shang (1766 a.C.-1122 a.C.), metal (bronze, ouro, prata e aço). As antigas agulhas metálicas, mesmo sendo um avanço técnico para a época, seriam grossas demais para os nossos critérios atuais. Cada acupunturista possuía seu próprio jogo de agulhas, sempre carregado consigo em uma bolsa ou estojo apropriados para o pronto atendimento. Pelo fato de os médicos chineses da época desconhecerem os perigos de infecções e contaminações, as agulhas eram reutilizadas em todos os pacientes. Há nove tipos de agulhas, descritos na literatura clássica:

A agulha Chan (nº 1), “agulha com ponta de flecha”, é destinada às picadas superficiais, reduz as tumefações da pele e doenças febris. Esta agulha também é usada numa técnica denominada“sangria”, onde se extrai algumas poucas gotas de sangue.

A agulha Yuan (nº 2), de ponta redonda, não é verdadeiramente uma agulha e é usada para a massagem dos músculos.

A agulha Di (nº 3), com extremidade curta e pontuda, é usada para tratar doenças febris e vasculares, deficiência de Qi e dores.

A agulha Feng (nº 4), de ponta triangular, é usada em casos de doenças crônicas. Neste caso, o paciente apresenta um quadro mais antigo, o que se pressupõe uma estimulação mais intensa do ponto através da ponta característica desta agulha.

A agulha Pi (nº 5), “agulha em forma de espada”, é usada para tratar abscessos com pus.

A agulha Yuan Li (nº 6), de extremidade redonda e pontuda, é usada para tratar artralgia e doenças reumáticas.

A agulha filiforme (nº 7) é a mais usada e elimina os fatores patogênicos e a variedade de doenças internas.

A agulha Chang (nº 8), agulha longa, é usada para tratar as artralgias mais profundas do corpo.

A agulha Huo (nº 9), “agulha de fogo”, é usada para tratar a artrite. Por ter um corpo muito comprido, o calor aplicado diretamente no cabo desta agulha propaga-se de forma gradual até o ponto, tonificando-o.

Abaixo, uma foto e um esquema dos nove tipos clássicos de agulhas, de um jogo de agulhas de um acupunturista, datadas da Dinastia Shang (1766 a.C.-1122 a.C.):

Os nove tipos clássicos de agulhas ainda são utilizados atualmente, principalmente na China. No entanto, a agulha filiforme é a agulha mais usada mundialmente, apresentando-se numa variedade tão grande de comprimentos e espessuras que parece originar novos tipos de agulhas. As dimensões da agulha filiforme vão ser definidas pelos objetivos e técnicas usadas no paciente. Como o próprio nome diz, a agulha filiforme assemelha-se a um fino fio de metal.

Com o advento das técnicas de assepsia, começaram a ser usadas as agulhas de aço, que eram reutilizadas através de esterilização em autoclave, sendo descartadas quando suas pontas tornavam-se rombudas demais para a inserção. Assim, cada paciente possuía seu próprio jogo de agulhas, mantidas estéreis dentro de um tubo de ensaio de posse do acupunturista. Com a evolução das técnicas de metalurgia, as agulhas começaram a se tornar muito baratas e uma melhor relação custo x benefício permitiu que fossem produzidas agulhas de uso único, tornando-se muito mais conveniente, seguro e vantajoso descartá-las. Atualmente, a legislação brasileira proíbe a reutilização de agulhas de acupuntura e prevê a forma correta de descarte, bem como as normas de segurança durante o seu manuseio.

Atualmente, as agulhas são produzidas em aço
esterilizado por gás etileno ou raios Gama e vêm em embalagens plásticas normalmente contendo dez unidades ou agulhas individuais, acompanhadas de um tubo aplicador (mandril), numa variedade muito grande de comprimentos e espessuras. As dimensões das agulhas filiformes variam de 0,12 mm a 0,30 mm de espessura e de 2,5 cm a 6 cm de comprimento. Dependendo da técnica e dos objetivos do tratamento, são utilizadas diferentes dimensões. No entanto, até mesmo a menos delgada das agulhas filiformes são finas demais à observação dos olhos humanos: algumas agulhas costumam ser cerca de três vezes mais espessas que um fio de cabelo humano. Na foto abaixo, pode-se ver 20 agulhas filiformes inseridas no orifício de uma agulha hipodérmica.
Costuma-se dizer que não sentimos nada durante a inserção de uma agulha de acupuntura, o que não é uma verdade absoluta e deve ser cuidadosamente discutido.
Em primeiro lugar, cada ponto de acupuntura possui uma sensação característica que pode ser experimentada durante a inserção da agulha ou até mesmo durante a pressão de um dedo. Tais sensações estão descritas de forma clássica em literatura, mas são muito subjetivas e variam em qualidade: queimação, frio, irradiação, “peso”, formigamento, choque, dor etc. Estas sensações são muito sutis, mas também variam em intensidade, o que vai depender do quadro sindrômico do paciente. Em segundo lugar, estamos falando de objetos sendo inseridos no corpo humano. Por mais apurada e indolor que possa ser a técnica de inserção, o paciente sempre sentirá a agulha dentro de seu corpo, não só durante a inserção como também durante a sua manipulação. Portanto, é antiético dizer para o paciente que a acupuntura é uma técnica indolor e/ou que “não se sente nada”.

No entanto, os benefícios que a acupuntura traz para o paciente compensam em muito o desconforto da inserção das agulhas. Ainda assim, no caso de pacientes que não toleram a
inserção de agulhas, há uma série de técnicas da Medicina Chinesa que substituem o uso de agulhas. Estas técnicas possuem efeitos mais lentos e menos intensos, mas são verdadeiramente indolores e serão abordadas posteriormente numa outra postagem.

1:
O intervalo de tempo que abrange a Idade da Pedra é muito discutido e variável segundo a região em questão. Por exemplo, escavações mostraram que enquanto em certos lugares como a Grã-Bretanha vivia-se na Idade da Pedra, em outros, como Roma, Egito e China, já se usavam os metais e conhecia-se a
escrita.

Por Fernando M. Pinheiro