sábado, 21 de agosto de 2010

A Dor Crônica

A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) conceitua “dor” como uma “experiência sensitiva e emocional desagradável decorrente ou descrita em termos de lesões teciduais reais ou potenciais”. Para algumas pessoas essa pode ser uma definição difusa, pouco clara e muito ampla. Mas é exatamente esse caráter abrangente que permite que seja englobada a vivência do indivíduo. A dor é algo real, concreta na medida em que é experimentada, mas é também subjetiva, pois a vivência interna dela e a própria experiência da dor são uma experiência subjetiva e individual.

A dor crônica pode ter inúmeras causas, dentre elas doenças reumáticas, câncer, acidente, LER/DORT (lesão por esforço repetitivo/distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho), processo cirúrgico ou algum outro transtorno que gere efeito no corpo. Doenças crônicas são assim classificadas devido ao período prolongado de tratamento, devido ao tipo de evolução da doença/afecção e/ou às respostas aos tratamentos, geralmente lentas e de efeito aquém do esperado na terapêutica usualmente utilizada.

A definição de dor é mais complexa, ampla e subjetiva. Na atualidade, convive a distinção entre o conceito de dor física e psíquica. O primeiro, bastante difundido e aceito, bem definido pela Neurofisiologia, tratada com a terapêutica médica adequada a cada caso. O segundo, muito pouco compreendido, é pouco estudado e, geralmente, sem tratamento adequado. Além disso, a dor psíquica é vista apenas como uma consequência dos processos das enfermidades físicas. É relevante considerar, ainda, outro viés em relação à dor, que é a “origem da dor” no psíquico. Causas que podem ser chamadas de subjetivas ou pessoais, que com o tempo, com a insistência e repetição de padrões internos (forma como o individuo está estruturado perante o mundo) externos (comportamentos), acabam por se tornar uma enfermidade física.

Para um olhar analítico, não há divisão entre dor física e dor psíquica. Essa ambiguidade que envolve a definição do conceito e o próprio tratamento da dor revela a sua complexidade. Isso exprime a necessidade de centros específicos no tratamento da dor crônica. Se partirmos do pressuposto que o ser humano é um ser multidimensional, então o corpo físico passa a ser um desses níveis, e não o único. Além disso, esses níveis são interligados e se influenciam mutuamente, de forma direta e imediata. Inconsciente e consciente, corpo e psique são dois lados de uma única moeda: o organismo.

Não existe o corpo que sofre, existe um corpo sofrido. É a pessoa que sofre, e ela sofre por inteiro. Um indivíduo que apresenta uma situação de sofrimento, de dor, está imerso em um contexto familiar, social e cultural. Isso configura um quadro em que a dor vivida é modulada conforme a experiência pessoal daquela dor. Ela não é apenas um processo neurofisiológico, mas algo que ultrapassa essa compreensão estrita, e se inscreve no campo existencial.

Por isso, quando nos deparamos com quadros complexos, multifatoriais, torna-se difícil trabalhar se não for levando em conta os tratamentos adequados para cada nível especifico afetado. Nesse contexto, é imprescindível trabalhar com uma equipe multidisciplinar, pois o trabalho com pacientes que sofrem de dor crônica exige uma rede de troca de informações. Por exemplo, nestes casos o psicoterapeuta deve acompanhar o processo não só do próprio tratamento analítico, mas conhecer a evolução dos outros tratamentos, das medicações que o paciente está utilizando e das alterações/ajustes ao longo do percurso. O trabalho deve possibilitar a união de forças para promover um suporte e um direcionamento mais adequado do tratamento. Afinal, estamos lidando com um organismo – corpo e psique – que se encontra em desarmonia, e a dor é um fenômeno que ultrapassa a experiência de um profissional isolado.

No tratamento da dor crônica, a equipe de profissionais engloba diversas áreas especialidade: Clínica da Dor, Psiquiatria, Reumatologia, Neurologia, Neurocirurgia, Ortopedia, Cirurgia de Mão, Cirurgia Buco-maxilo-facial, Acupuntura, Fisioterapia e Psicologia, dentre outras. A equipe trabalha objetivando o controle da dor, a melhora funcional e a ressignificação da dor.

Por Melissa Coutinho
Psicóloga clínica de orientação Lacaniana, especializada em Somatic Experiencing e Psicoterapia Junguiana, membro da equipe de Psicoterapia do Centro Médico de Dor Promédica (Salvador, Bahia)

Trecho de artigo extraído da Revista Psique, ano V, nº 55, 2010.

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