terça-feira, 12 de outubro de 2010

O que vem a ser Qi?

Freqüentemente fala-se muito sobre o Qi, seja em termos de Medicina Tradicional Chinesa, seja em termos de treinamento de Kung Fu. Assim sendo, é necessário separar o que é certo e o que é errado com relação ao entendimento de Qi. Inicialmente, não devemos confundir Qi (pronunciado corretamente como “tchi”) com o termo japonês Ki, sendo este originado das artes marciais japonesas. A dificuldade de se interpretar corretamente o significado de Qi reside intimamente na dificuldade da tradução do idioma chinês, onde a tradução literal é sempre difícil. As palavras ou ideogramas orientais evocam idéias (ideograma = “imagem que simboliza uma idéia”). Logo, na formação do ideograma da palavra “Qi”, observamos a composição de dois radicais quer representam “vapor”/“fluxo” e “arroz”/“cereal”. O ideograma final assemelha-se muito a uma panela cozinhando alimento. Pode-se entender o significado deste ideograma como algo que possui um valor muito nutritivo e energético. Ou algo que seja tão material quanto um cereal e ao mesmo tempo tão imaterial quanto o vapor. Ainda, ele pode ser entendido como algo que possui uma energia potencial ou uma determinada capacidade de realizar alguma tarefa (a idéia do vapor do cozimento deslocando a tampa da panela).

Segundo os antigos filósofos chineses, a variedade infinita de fenômenos no universo nos seus mais diversos graus de materialização era o resultado contínuo da agregação e da dispersão do Qi, uma base (material) para a manifestação da vida (imaterial). Esta mesma idéia veio a originar a noção de que vida e morte não são nada em si mesmas, mas versões diferentes de uma mesma coisa.

Já segundo a Medicina Tradicional Chinesa, o corpo humano possui quatro substâncias vitais básicas que participam de seu funcionamento, variando de substâncias completamente imateriais até extremamente rarefeitas. São elas: o Sangue (Xue), a Essência (Jing), os Fluidos Corpóreos (Jin Ye) e, finalmente, o Qi. Assim, pela própria definição, seria muito simplório dizer que o Qi é uma energia, podendo acarretar interpretações erradas; o Qi é uma substância vital, que por sua vez origina as outras três mencionadas, além de suas variações, podendo todas ser mobilizadas, por exemplo, pela acupuntura e pelo Qi Gong (exercícios respiratórios). A dificuldade da tradução de Qi também é explicada pela sua natureza fluida que o leva a assumir diferentes manifestações nas mais variadas situações patológicas ou fisiológicas (rebelião do Qi, deficiência do Qi, estagnação do Qi, dispersão do Qi etc) e regiões do corpo (Zheng Qi = “Qi do Tórax” etc). O conceito da união do Qi da Terra (Qi Telúrico) com o Qi do Céu (Qi Celestial) originando o ser humano somente enfatiza a interação entre o Qi dos seres humanos e o Qi das forças naturais. Assim, a Medicina Tradicional Chinesa leva isto em consideração para determinar a origem de uma doença, bem como seu diagnóstico e seu tratamento.

Há dois aspectos que são bastante relevantes para a Medicina Tradicional Chinesa. Primeiro, quando o Qi não é usado para representar uma substância vital, ele pode representar o uma medida de atividade de um sistema orgânico, o complexo de atividades funcionais de nossos órgãos e vísceras, o que poderia ser comparado ao que é entendido como metabolismo pela medicina ocidental. Segundo, o Qi também é um estado constante de fluxo em níveis variáveis de agregação. Quando o Qi se condensa, a energia se transforma e se acumula numa forma física.

Para complicar a situação, alguns cientistas afirmam que a compreensão adequada de Qi também depende da forma como ela é empregada, não importando em qual área do conhecimento ocorre esta aplicação. Por exemplo, dentro da Física Moderna, o Qi poderia ser simples e realmente compreendido como “energia”, desde que transmitisse a idéia de uma “continuidade da matéria e da energia”, ou, ainda, poderia expressar “emanações radioativas” como conhecemos atualmente.

Alguns atletas praticantes de Kung Fu desenvolvem o controle do Qi em níveis altíssimos, ainda incompreensíveis para a ciência. Existem fraudes, é verdade, mas algumas demonstrações de Qi Gong refletem tal controle com proezas exóticas e perigosas: resistir a armas cortantes e perfurantes e quebrar maciços tijolos de uma só vez. Um bom fluxo de Qi no nosso corpo significa saúde. Obviamente, nós não precisamos realizar aquelas proezas para alcançar uma boa saúde, sendo que um bom fluxo de Qi pode ser obtido através de uma boa alimentação, uma vida emocional sem excessos e atividades físicas saudáveis. Os dois últimos itens podem ser alcançados com a prática do Kung Fu. No entanto, quando há uma disfunção no fluxo de Qi, ocorrem as doenças. Neste caso, recomenda-se a acupuntura, que se resume na inserção de agulhas descartáveis na pele a fim de provocar alterações fisiológicas e energéticas que induzem à uma autorregulação orgânica, recuperando o equilíbrio físico e psíquico de forma natural.

Por Fernando M. Pinheiro
Adaptação do texto original publicado no Boletim Informativo Wah Lum Brasil, nº 5 – Janeiro/Fevereiro de 2008.
Literatura recomendada:
"Fundamentos da Medicina Tradicional Chinesa" - Giovanni Maciocia

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