quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A Meditação como “Prática Integrativa e Complementar de Saúde”

A Resolução n° 380 de 2010 publicada no DOU no dia 11 de novembro de 2010 regulamenta o uso das “Práticas Integrativas e Complementares de Saúde” pelos Fisioterapeutas, desde que comprovada a formação por instituições de ensino superior especialmente credenciadas pelo MEC. Dentre estas práticas são incluídas as “práticas corporais, manuais e meditativas”. Aproveito, então, a publicação da resolução em questão para postar um pequeno fragmento de texto sobre meditação, extraído do livro “Nossa luz interior”, de Jiddu Krishnamurti.

"A meditação não é algo que nós fazemos. A meditação é um movimento que abrange todos os aspectos da nossa vida: como vivemos, como nos comportamos, se sentimos medo, ansiedade, amargura; se estamos continuamente em busca do prazer; se criamos imagens sobre nós mesmos e sobre os outros. Tudo isso faz parte de nossa vida, e compreender a vida com suas várias implicações e ser capaz de libertar-se delas é o propósito da meditação. Precisamos colocar ordem na casa. Nossa casa é o nosso eu.

"Essa ordem não é estabelecida de acordo com um padrão, mas sim, quando nos tornamos conscientes do que é a desordem, do que é a confusão, por que nos contradizemos, por que há uma luta constante entre os opostos e assim por diante. Se não agirmos assim – de verdade, não teoricamente, em nosso cotidiano, em cada momento de nossa vida – , a meditação tornar-se-á mais uma forma de ilusão, uma nova prece, uma outra maneira de desejar alguma coisa.

"O que é o movimento da meditação? Temos de compreender a importância dos sentidos. A maioria das pessoas reage ou age de acordo com as necessidades, exigências e insistências dos nossos sentidos. Estes nunca agem como um todo; holisticamente, nossos sentidos não funcionam nem operam com um todo. Se você se observar e prestar atenção aos seus sentidos, verá que um ou outro se torna dominante e se sobressai em sua vida diária. Portanto, sempre haverá um desequilíbrio entre os outros sentidos.

"O que estamos vendo agora é uma das partes da meditação.
Seria possível os sentidos atuarem como um todo? Você seria capaz de observar o movimento do mar, o brilho da água, sua incansável movimentação, observar toda essa massa de água, apenas com seus sentidos? Ou observar, olhar uma árvore, uma pessoa, um pássaro voando, um riacho, um pôr-do-sol, uma noite de luar, com todos os seus sentidos, completamente acordado? Se a resposta for “sim”, então você descobriu – por si mesmo, não através de mim – que os sentidos não se manifestaram a partir de determinado centro.

"Você está tentando isso enquanto conversamos?

"Olha para sua namorada, seu marido, sua esposa ou para uma árvore com todos os seus sentidos totalmente alertas. Nessa atitude não existem limitações. Experimente e verá. Na maior parte das pessoas, os sentidos estão parcial ou particularmente acionados. Nunca nos movimentamos ou vivemos com todos os nossos sentidos inteiramente despertos ou desabrochados. Colocar os sentidos em seus respectivos lugares não significa suprimi-los, controlá-los, nem mantê-los a distância. Isto é importante, porque se queremos nos aprofundar na meditação, a menos que estejamos conscientes dos nossos sentidos, eles produzirão diferentes formas de neurose, diferentes formas de ilusão; vão dominar nossas emoções. Quando os sentidos se encontram despertos, desabrochados, então nosso corpo aquieta-se por completo. Já observou isso? Muitos de nós forçamos nosso corpo a permanecer quieto, sem se mexer, sem se movimentar, porém, se todos os nossos sentidos estiverem funcionando de maneira saudável, normal e cheios de vitalidade, então nosso corpo relaxa e fica parado.

"Tente fazer isso enquanto conversamos."

Por Fernando M. Pinheiro



sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A história do Método Pilates

Joseph Hubertus Pilates foi o inventor do Método Pilates de condicionamento físico, hoje utilizado no mundo por profissionais de várias áreas de atuação e no Brasil por fisioterapeutas e educadores físicos.

Joseph Pilates nasceu na Alemanha em 1883 com uma saúde frágil, sofrendo já em sua infância de raquitismo, asma e febre reumática. Na adolescência, decidido em modificar a sua saúde, começou a estudar, como autodidata, anatomia, fisiologia e fundamentos de medicina oriental. Assim, desenvolveu princípios de treinamento físico e fundamentou uma série de 34 exercícios chamados “Exercícios Clássicos”. Seu treinamento preconizava a utilização do peso do corpo como resistência, sem utilizar nenhum tipo de acessório, além da expiração abdominal forçada durante a execução de forma a fortalecer o que ele chamava de “power house” (“centro de força”). Joseph Pilates dizia que todo a força dos braços, pernas e coluna partia do “power house”. Além disso, seus exercícios deviam ser executados com extrema concentração. Esses exercícios não eram de fácil execução e, prevendo dificuldades por parte de seus praticantes, ele também desenvolveu aparelhos rústicos e de mecânica simples que tinham por objetivo inicial facilitar a prática dos Exercícios Clássicos. Inclusive, este é um erro comum: achar que os Exercícios Clássicos (conhecidos atualmente como “Mat Pilates” ou “Pilates Solo”) são necessariamente mais fáceis que os exercícios executados nos aparelhos. Com a evolução do praticante, os Exercícios Clássicos podem ser realizados (no aparelho ou no solo) a partir de trechos básicos do exercício original até o Exercício Clássico completo (no aparelho ou no solo). No entanto, dependendo da situação, o exercício pode ser executado no aparelho de forma a dificultar ainda mais o exercício original.


Quando a 1ª Guerra Mundial foi deflagrada, Joseph Pilates estava na Inglaterra e foi mantido preso em um campo de concentração, onde trabalhava na enfermaria e orientava seus pacientes a praticarem seu método. No entanto, ele percebeu que alguns pacientes tinham dificuldades em executar os exercícios. Assim, os aparelhos utilizados no método foram desenvolvidos pelo Joseph Pilates usando materiais de que tinha disposição na época, como grosseiras macas de madeira do inicio do século XX, molas de maquinário pesado, tubulações de água, tiras de couro e cordas. Por essa razão, até hoje os aparelhos do Método Pilates têm uma aparência rústica e mudaram muito pouco ao longo dos anos, mantendo as mesmas características mecânicas.

Durante este período, ocorreu a pandemia de “Gripe Espanhola”, que matou centenas de milhares de pessoas em todo o mundo. Curiosamente, apesar de todas as alas do campo de concentração terem sido atingidas pela gripe, a única ala onde ninguém ficou doente foi a ala onde estavam Joseph Pilates e os pacientes que praticavam o seu método.

Após a experiência com pacientes do campo de concentração, os aparelhos tornaram-se uma obsessão para Joseph Pilates. Paralelamente ao amadurecimento do seu método, ele desenvolveu muitos outros aparelhos, de pequenas engenhocas portáteis a complexas variações daqueles inicialmente projetados. No entanto, apenas alguns aparelhos tornaram-se realmente funcionais e famosos, reunindo muitas qualidades e características num mesmo aparelho. Atualmente, os principais aparelhos são o Step Chair, o Cadillac, o Reformer, o Wall Unit e o Ladder Barrel. Com exceção do Ladder Barrel, todos os aparelhos funcionam com molas. Seguindo a “Lei de Hooke”, lei física que diz que a deformação de uma mola é diretamente proporcional à força nela exercida, quanto mais a mola é distendida durante um determinado exercício, maior é a tensão nela exercida. Assim, os exercícios podem ser executados de acordo com a capacidade e limitações de cada um, ou seja, o praticante realiza o exercício até o ponto em que é capaz, nunca além deste ponto, tornando o impacto articular mínimo e evitando lesões durante uma correta execução do exercício. Desta forma, o Método Pilates pode ser praticado por pessoas saudáveis ou por portadores de alguma disfunção neurológica, ortopédica ou cinesiológica sem o risco de agravamento de seus quadros.
Motivado em superar suas limitações físicas, Joseph Pilates continou a praticar seus exercícios e acabou por desenvolver seu próprio método de condicionamento físico, que visava o controle da mente sobre o movimento do corpo: a Contrologia. Com a prática incessante de seu método, ainda jovem, Joseph Pilates tornou-se apto a praticar várias atividades físicas diferentes como ginástica olímpica, boxe, mergulho e esqui, tendo também a oportunidade de posar como modelo para pôsteres de anatomia. Assim, Joseph Pilates sempre dizia que ele era a prova viva da eficácia de seu método. Ao longo de toda sua vida, Joseph Pilates desenvolveu cerca de 500 exercícios diferentes para os aparelhos, exercícios que o ajudaram, bem como seus praticantes, a levar uma vida saudável. Apesar disso, é importante ressaltar que Joseph Pilates não resumia seu método em uma lista de exercícios padronizados e utilizados igualmente por todos os indivíduos. Joseph Pilates acompanhava pessoalmente seus praticantes e costumava alterar radicalmente seus programas de exercícios diante de necessidades diferentes ou novos objetivos, obedecendo às limitações de cada um. Assim, quando a execução de um programa de exercícios tornava-se fácil, era hora de modificá-lo. Poucas pessoas puderam assistir a todo este processo de trabalho durante a prática do método juntamente com Joseph Pilates. Os poucos que tiveram esse privilégio, fundaram os seus próprios estúdios após a morte de Joseph Pilates e alguns deles até chegaram a declarar a exclusividade da prática do método original. No entanto, nunca existiu um método original específico, mas um método de trabalho próprio de Joseph Pilates, impossível de imitar. Por outro lado, nem mesmo os exercícios criados pelo próprio Joseph Pilates poderiam ser considerados como verdadeiramente originais, pois o método sofria transformações constantemente pelo seu próprio criador. Joseph Pilates não era um purista e teve grandes influências provenientes de métodos como o Yoga, as artes marciais e a meditação. Como exemplo destas influências, podemos destacar o período em que ele se estabeleceu nos Estados Unidos, recebendo bailarinos de várias companhias como alunos. Fascinado pela forma como praticavam seus exercícios, Joseph Pilates incorporou muito do gestual destes alunos e até desenvolveu novos exercícios.

Atualmente, temos vários conceitos terapêuticos e objetos acessórios sendo associados ao Método Pilates de forma bem sucedida, como o Método Bobath e as bolas suíças. Curiosamente, Joseph Pilates não parecia muito interessado em criar uma escola onde seu método fosse ensinado a novos instrutores e, assim, novos estúdios surgissem. Sabedor de sua eficácia, ele parecia mais interessado em propagar o seu método a quem quisesse praticá-lo e a quem quisesse melhorar sua qualidade de vida. A grande prova disso é o fato de ter publicado apenas dois livros em toda a sua vida, sendo que o segundo era uma reedição ampliada do primeiro, onde descrevia apenas os Exercícios Clássicos e relatava a aplicação dos seus conceitos de saúde na vida cotidiana.

Após a 1ª Guerra Mundial, Joseph Pilates começou a trabalhar com seu método na Alemanha, onde foi sendo conhecido e reconhecido pela sua eficácia. Ele foi convidado a trabalhar no treinamento do exército alemão, mas as ideologias sociais e políticas que envolviam tal trabalho desapontaram-no, o que o levou a viajar para os Estados Unidos. Durante a viagem, Joseph Pilates conheceu sua esposa, Clara. Uma vez estabelecidos em Nova York, na Quinta Avenida, eles abriram um estúdio onde Joseph Pilates passou os últimos anos de sua vida, sendo conhecido como uma pessoa de hábitos excêntricos, como realizar corridas usando apenas uma sunga de praia, em pleno inverno novaiorquino. Joseph Pilates morreu em 1967, aos 84 anos, após complicações respiratórias decorrentes de um incêndio que destruiu seu estúdio, após tentar insistentemente salvar alguns de seus equipamentos.

Por Fernando M. Pinheiro
   


terça-feira, 12 de outubro de 2010

O que vem a ser Qi?

Freqüentemente fala-se muito sobre o Qi, seja em termos de Medicina Tradicional Chinesa, seja em termos de treinamento de Kung Fu. Assim sendo, é necessário separar o que é certo e o que é errado com relação ao entendimento de Qi. Inicialmente, não devemos confundir Qi (pronunciado corretamente como “tchi”) com o termo japonês Ki, sendo este originado das artes marciais japonesas. A dificuldade de se interpretar corretamente o significado de Qi reside intimamente na dificuldade da tradução do idioma chinês, onde a tradução literal é sempre difícil. As palavras ou ideogramas orientais evocam idéias (ideograma = “imagem que simboliza uma idéia”). Logo, na formação do ideograma da palavra “Qi”, observamos a composição de dois radicais quer representam “vapor”/“fluxo” e “arroz”/“cereal”. O ideograma final assemelha-se muito a uma panela cozinhando alimento. Pode-se entender o significado deste ideograma como algo que possui um valor muito nutritivo e energético. Ou algo que seja tão material quanto um cereal e ao mesmo tempo tão imaterial quanto o vapor. Ainda, ele pode ser entendido como algo que possui uma energia potencial ou uma determinada capacidade de realizar alguma tarefa (a idéia do vapor do cozimento deslocando a tampa da panela).

Segundo os antigos filósofos chineses, a variedade infinita de fenômenos no universo nos seus mais diversos graus de materialização era o resultado contínuo da agregação e da dispersão do Qi, uma base (material) para a manifestação da vida (imaterial). Esta mesma idéia veio a originar a noção de que vida e morte não são nada em si mesmas, mas versões diferentes de uma mesma coisa.

Já segundo a Medicina Tradicional Chinesa, o corpo humano possui quatro substâncias vitais básicas que participam de seu funcionamento, variando de substâncias completamente imateriais até extremamente rarefeitas. São elas: o Sangue (Xue), a Essência (Jing), os Fluidos Corpóreos (Jin Ye) e, finalmente, o Qi. Assim, pela própria definição, seria muito simplório dizer que o Qi é uma energia, podendo acarretar interpretações erradas; o Qi é uma substância vital, que por sua vez origina as outras três mencionadas, além de suas variações, podendo todas ser mobilizadas, por exemplo, pela acupuntura e pelo Qi Gong (exercícios respiratórios). A dificuldade da tradução de Qi também é explicada pela sua natureza fluida que o leva a assumir diferentes manifestações nas mais variadas situações patológicas ou fisiológicas (rebelião do Qi, deficiência do Qi, estagnação do Qi, dispersão do Qi etc) e regiões do corpo (Zheng Qi = “Qi do Tórax” etc). O conceito da união do Qi da Terra (Qi Telúrico) com o Qi do Céu (Qi Celestial) originando o ser humano somente enfatiza a interação entre o Qi dos seres humanos e o Qi das forças naturais. Assim, a Medicina Tradicional Chinesa leva isto em consideração para determinar a origem de uma doença, bem como seu diagnóstico e seu tratamento.

Há dois aspectos que são bastante relevantes para a Medicina Tradicional Chinesa. Primeiro, quando o Qi não é usado para representar uma substância vital, ele pode representar o uma medida de atividade de um sistema orgânico, o complexo de atividades funcionais de nossos órgãos e vísceras, o que poderia ser comparado ao que é entendido como metabolismo pela medicina ocidental. Segundo, o Qi também é um estado constante de fluxo em níveis variáveis de agregação. Quando o Qi se condensa, a energia se transforma e se acumula numa forma física.

Para complicar a situação, alguns cientistas afirmam que a compreensão adequada de Qi também depende da forma como ela é empregada, não importando em qual área do conhecimento ocorre esta aplicação. Por exemplo, dentro da Física Moderna, o Qi poderia ser simples e realmente compreendido como “energia”, desde que transmitisse a idéia de uma “continuidade da matéria e da energia”, ou, ainda, poderia expressar “emanações radioativas” como conhecemos atualmente.

Alguns atletas praticantes de Kung Fu desenvolvem o controle do Qi em níveis altíssimos, ainda incompreensíveis para a ciência. Existem fraudes, é verdade, mas algumas demonstrações de Qi Gong refletem tal controle com proezas exóticas e perigosas: resistir a armas cortantes e perfurantes e quebrar maciços tijolos de uma só vez. Um bom fluxo de Qi no nosso corpo significa saúde. Obviamente, nós não precisamos realizar aquelas proezas para alcançar uma boa saúde, sendo que um bom fluxo de Qi pode ser obtido através de uma boa alimentação, uma vida emocional sem excessos e atividades físicas saudáveis. Os dois últimos itens podem ser alcançados com a prática do Kung Fu. No entanto, quando há uma disfunção no fluxo de Qi, ocorrem as doenças. Neste caso, recomenda-se a acupuntura, que se resume na inserção de agulhas descartáveis na pele a fim de provocar alterações fisiológicas e energéticas que induzem à uma autorregulação orgânica, recuperando o equilíbrio físico e psíquico de forma natural.

Por Fernando M. Pinheiro
Adaptação do texto original publicado no Boletim Informativo Wah Lum Brasil, nº 5 – Janeiro/Fevereiro de 2008.
Literatura recomendada:
"Fundamentos da Medicina Tradicional Chinesa" - Giovanni Maciocia

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

E a primavera se aproxima...

O corpo humano reage às mudanças periódicas e aos ciclos do meio ambiente, e reage como um todo. Assim, podemos observar não somente alterações físicas, mas também alterações psíquicas. As estações do ano são ciclos pouco perceptíveis, mas mesmo vivendo numa era de agressões constantes à natureza com alterações drásticas dos seus ciclos naturais (como períodos de estiagem em pleno inverno ou recordes de temperaturas baixas em pleno verão), podemos observar que ainda assim o corpo humano acompanha o ciclo das estações do ano.

Segundo a Medicina Tradicional Chinesa, temos cinco estações, e não quatro como costumamos conhecer! O período de aproximadamente 18 dias que antecedem a mudança de cada estação é conhecido pelos chineses como canícula. Se dividirmos o ano por quatro estações e subtrairmos o período de canícula de cada uma das quatro estações, obtemos aproximadamente uma quinta parte do ano (73,25 dias). Assim, a Medicina Tradicional Chinesa considera a canícula como uma quinta estação que está dividida e distribuída nas outras quatro estações, sendo todas representadas por um elemento ou movimento energético. O outono é representado pelo Metal, o inverno é representado pela Água, a primavera é representada pela Madeira, o verão é representado pelo Fogo e a canícula é representada pela Terra. Didaticamente, a Terra é posicionada antes do Metal e após o Fogo, mas, segundo os textos tradicionais de Medicina Chinesa, o elemento Terra é colocado no centro, entre os outros quatro elementos, representando o eixo, o Estômago e o Baço, ou seja, a fonte de toda nutrição dos outros órgãos e vísceras.

Como já foi dito, a canícula sempre ocorre antes de cada uma das outras quatro estações e representa a mudança de polaridade de um elemento para o outro, ou seja, a mudança gradual das características de uma estação para outra. Ao final de cada estação, durante a canícula, o Qi, ou energia vital, fica exaurido e precisa ser regenerado, retornando ao centro, ao elemento Terra. Por esse motivo, a canícula é um período em que nosso organismo fica tão vulnerável a fatores patogênicos externos e quando devemos tomar certos cuidados para não desenvolvermos doenças ou desequilíbrios próprios de cada época. Por exemplo, antes da chegada do verão, cujo fator climático predominante é o Calor, percebemos muitos casos súbitos de gripes acompanhados de febres em que as vias respiratórias superiores são agredidas. Antes da chegada do outono, cujo fator climático predominante é a Secura, percebemos muitos casos de gripes e resfriados em que todo o trato respiratório é muito agredido pelas mudanças de temperatura e de umidade. Antes da chegada do inverno, cujo fator climático predominante é o Frio, percebemos muitos casos de gripes e resfriados.

Estamos prestes a entrar na primavera, cujo fator climático predominante é o Vento, quando percebemos muitos casos de alergias respiratórias. Nesta estação, é muito comum na Europa a “febre do feno”, um conjunto de alergias causadas pelo pólen de algumas plantas dispersado na atmosfera pelo aumento de temperatura e pelos ventos desta época. No Brasil, este conjunto de reações é conhecido como rinite alérgica. Os órgãos dos sentidos relacionados a esta estação do ano são os olhos, que são facilmente irritados pelos ventos ou atacados por microorganismos disseminados por estes mesmos ventos, causando surtos de conjuntivite. O órgão relacionado à primavera é o Fígado, o que significa que estamos mais suscetíveis a eventos de mau humor por estarmos mais irritadiços, podendo ocorrer acessos de raiva mais frequentemente ou mais facilmente. A primavera simboliza a infância, representada pelo “Yang nascendo do Yin”, quando as sementes germinam, os talos das plantas crescem, a cor predominante é o verde e as flores desabrocham, espalhando seu pólen pelo Vento que nasce no Leste.

No dia 23 de setembro, entraremos na primavera. Isto quer dizer que já estamos na canícula. Vamos nos cuidar! Podemos nos proteger minimizando ou eliminando os efeitos da mudança de cada estação tomando cuidados simples durante este período. Principalmente durante a canícula (quando somos mais suscetíveis às mudanças), mas também durante toda a primavera, devemos evitar a exposição aos ventos, não só os ventos naturais, conhecidos nesta época como “pé-de-vento”, mas também os artificiais, como ventiladores e aparelhos de ar condicionado. Aqueles que já desenvolveram rinite alérgica devem tomar cuidado com os alérgenos inoculados por essas fontes de vento, como poeira, ácaro, mofo, solventes e produtos com cheiro muito ativo. A fim de não sobrecarregar o Fígado, devemos reduzir o consumo de alimentos ácidos, como alho, vinagre, picles, algumas frutas e vinho, assim como os excessos com gorduras e frituras. No aspecto psíquico, recomenda-se meditar, parar para escutar e refletir, evitar discussões, o que será especialmente bom nesta época do ano, para proteger o Fígado.

Por Fernando M. Pinheiro

Literatura recomendada: “Manual do herói” – Sonia Hirsch


sábado, 21 de agosto de 2010

A Dor Crônica

A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) conceitua “dor” como uma “experiência sensitiva e emocional desagradável decorrente ou descrita em termos de lesões teciduais reais ou potenciais”. Para algumas pessoas essa pode ser uma definição difusa, pouco clara e muito ampla. Mas é exatamente esse caráter abrangente que permite que seja englobada a vivência do indivíduo. A dor é algo real, concreta na medida em que é experimentada, mas é também subjetiva, pois a vivência interna dela e a própria experiência da dor são uma experiência subjetiva e individual.

A dor crônica pode ter inúmeras causas, dentre elas doenças reumáticas, câncer, acidente, LER/DORT (lesão por esforço repetitivo/distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho), processo cirúrgico ou algum outro transtorno que gere efeito no corpo. Doenças crônicas são assim classificadas devido ao período prolongado de tratamento, devido ao tipo de evolução da doença/afecção e/ou às respostas aos tratamentos, geralmente lentas e de efeito aquém do esperado na terapêutica usualmente utilizada.

A definição de dor é mais complexa, ampla e subjetiva. Na atualidade, convive a distinção entre o conceito de dor física e psíquica. O primeiro, bastante difundido e aceito, bem definido pela Neurofisiologia, tratada com a terapêutica médica adequada a cada caso. O segundo, muito pouco compreendido, é pouco estudado e, geralmente, sem tratamento adequado. Além disso, a dor psíquica é vista apenas como uma consequência dos processos das enfermidades físicas. É relevante considerar, ainda, outro viés em relação à dor, que é a “origem da dor” no psíquico. Causas que podem ser chamadas de subjetivas ou pessoais, que com o tempo, com a insistência e repetição de padrões internos (forma como o individuo está estruturado perante o mundo) externos (comportamentos), acabam por se tornar uma enfermidade física.

Para um olhar analítico, não há divisão entre dor física e dor psíquica. Essa ambiguidade que envolve a definição do conceito e o próprio tratamento da dor revela a sua complexidade. Isso exprime a necessidade de centros específicos no tratamento da dor crônica. Se partirmos do pressuposto que o ser humano é um ser multidimensional, então o corpo físico passa a ser um desses níveis, e não o único. Além disso, esses níveis são interligados e se influenciam mutuamente, de forma direta e imediata. Inconsciente e consciente, corpo e psique são dois lados de uma única moeda: o organismo.

Não existe o corpo que sofre, existe um corpo sofrido. É a pessoa que sofre, e ela sofre por inteiro. Um indivíduo que apresenta uma situação de sofrimento, de dor, está imerso em um contexto familiar, social e cultural. Isso configura um quadro em que a dor vivida é modulada conforme a experiência pessoal daquela dor. Ela não é apenas um processo neurofisiológico, mas algo que ultrapassa essa compreensão estrita, e se inscreve no campo existencial.

Por isso, quando nos deparamos com quadros complexos, multifatoriais, torna-se difícil trabalhar se não for levando em conta os tratamentos adequados para cada nível especifico afetado. Nesse contexto, é imprescindível trabalhar com uma equipe multidisciplinar, pois o trabalho com pacientes que sofrem de dor crônica exige uma rede de troca de informações. Por exemplo, nestes casos o psicoterapeuta deve acompanhar o processo não só do próprio tratamento analítico, mas conhecer a evolução dos outros tratamentos, das medicações que o paciente está utilizando e das alterações/ajustes ao longo do percurso. O trabalho deve possibilitar a união de forças para promover um suporte e um direcionamento mais adequado do tratamento. Afinal, estamos lidando com um organismo – corpo e psique – que se encontra em desarmonia, e a dor é um fenômeno que ultrapassa a experiência de um profissional isolado.

No tratamento da dor crônica, a equipe de profissionais engloba diversas áreas especialidade: Clínica da Dor, Psiquiatria, Reumatologia, Neurologia, Neurocirurgia, Ortopedia, Cirurgia de Mão, Cirurgia Buco-maxilo-facial, Acupuntura, Fisioterapia e Psicologia, dentre outras. A equipe trabalha objetivando o controle da dor, a melhora funcional e a ressignificação da dor.

Por Melissa Coutinho
Psicóloga clínica de orientação Lacaniana, especializada em Somatic Experiencing e Psicoterapia Junguiana, membro da equipe de Psicoterapia do Centro Médico de Dor Promédica (Salvador, Bahia)

Trecho de artigo extraído da Revista Psique, ano V, nº 55, 2010.